30/09/2010

O EGIPTO E OS MUROS DE NEEMIAS

Um fragmento de Daniel 7
traduzido em grego.
Muitos daqueles que tinham conseguido escapar às quatro invasões babilónicas (605, 597, 586 e 582 a.C.) fugiram para o Egipto, também chamado “a cana quebrada (2ª Reis 18:21), com quem Judá se aliava continuamente para resistir a Babilónia. A maior parte dos refugiados instalaram-se no delta do Nilo, a região mais próxima da Palestina, à espera da restauração do seu país. Mas com o tempo, acabaram por se sentir em casa em perderam todo o desejo de voltar à Palestina. Dado que nesta época o grego era a língua oficial no Egipto, traduziram o Antigo Testamento para essa língua. Essa versão, chamada a Septuaginta, foi utilizada mais tarde pelos primeiros cristãos.
Um certo número de judeus foi mais para sul e estabeleceu uma comunidade poderosa na ilha de Elefantina, em Assuão. Temos várias cartas provenientes desta colónia, que nos fornecem informações preciosas sobre a vida desses judeus durante o exílio. Essas cartas foram escritas em aramaico e datam dos séculos IV e V a.C.. O elemento mais notável é a menção de um templo que eles construíram e dos pedidos de autorização dirigidos aos rabis de Judá. O templo nunca foi encontrado, mas as cartas não deixam qualquer dúvida: o templo foi construído, mas sem a autorização pedida. Uma recusa semelhante enquadra-se bem com o teor dos livros de Esdras e de Neemias, escritos depois do exílio e que faziam continuamente referência à lei de Moisés e ao reconhecimento de um só templo, o de Jerusalém.
Os muros de Neemias.
Carta em aramaico
encontrada em
Elefantina, na qual um
judeu oferece uma
casa à sua filha
século V a.C.
Os textos bíblicos que relatam as dificuldades encontradas pelos judeus em Judá no momento da reconstrução da cidade de Jerusalém, do tempo e das muralhas são confirmados pelas descobertas arqueológicas. As informações relativas aos sucessores do rei persa Ciro revelam-nos monarcas mais interessados em mulheres, bebidas e prazeres do que na gestão do país. Essa tarefa era, sobretudo, delegada nos funcionários. Geralmente, era concedido um favor à primeira pessoa que fazia um pedido. Foi o que fez Assuero, note-se, em face de Hamã no livro de Ester. Para Sambalate, o governador de Samaria, era fácil utilizar este costume para maltratar os judeus que queriam reconstruir a cidade (ver livro de Neemias).
Um dos inimigos do Neemias chamava-se Tobias, rei dos Amonitas. Hoje conhecemos toda uma dinastia de reis amonitas com esse nome. Uma inscrição onde figura esse mesmo nome foi descoberta no cimo de uma ponta rochosa que domina um vale esplêndido perto de Aman, na Jordânia. Essa inscrição data de uma centena de anos depois da época de Neemias. Durante muito tempo, os especialistas acreditaram que o nome de Tobias era uma ficção, já que continha o sufixo “Ya”, uma abreviatura de Yahvé. Como é que um rei amonita poderia ter um nome assim? A inscrição encontrada vem confirmar a historicidade desse homem que teria reinado sobre o território de Amon. Não é impossível que esse rei tivesse antecedentes judaicos. Próximo da inscrição, foi encontrado um grande palácio da época helenista com o nome de Iraq el-Amir. Não é possível afirmar com certeza que esta palácio fosse a residência desse Tobias, mas é grande a tentação de ligar esses diferentes elementos e de concluir que o reino de Tobias e dos seus descendentes subsistiu até à época dos Macabeus, no século II a. C.. o palácio foi construído com pedras mais volumosas do que de costume.
Ruínas do palácio de Iraq
el-Amir, talvez a
residência de Tobias
Os muros que Neemias mandou construir em volta de Jerusalém foram postos a descoberto. Forma encontrados na beira do planalto sobre o qual Jerusalém foi construída, no interior dos limites da cidade pré-exílica. A restauração do reino de Judá foi, portanto, uma regressão em relação à situação anterior ao exílio. Esta descoberta confirma as indicações que podemos ler nos livros de profetas como Ageu e Zacarias, escritos imediatamente após o exílio e que evocam a fragilidade da comunidade judaica e o desânimo sentido pelos primeiros repatriados.
Interior do palácio
de Iraq el-Amir.
Escavações feitas em numerosos locais de Judá revelam um quadro semelhante. Muitos, senão a maior parte, dos exilados ficaram em Babilónia. Assim, o período persa é um dos períodos mais pobres e tristes que os arqueólogos encontram na Palestina. Há muito poucos sinais de construções de grande envergadura.
Mesmo depois da época helenista, quando surgiu um reino judaico independente, o dos Hasmoneus ou Macabeus, a população nunca mais atingiu a densidade anterior ao exílio. Só na época romana, pouco antes do nascimento de Cristo, é que a Palestina voltou a ter a prosperidade do passado. Mas devido à chegadas do gregos e dos romanos, as construções mudaram de novo de estilo.

21/09/2010

O NOVO TESTAMENTO E A ARQUEOLOGIA

QUMRAN
Embora não estejam directamente relacionados com o período neotestamentário, os notáveis manuscritos descobertos nas grutas de Qumran, perto do Mar Morto, inscrevem-se naturalmente no quadro de um curso de arqueologia bíblica. Uma dissidência judaica – o essenismo – tinha-se instalado nesta região. Os seus membros davam muita importância às profecias de Isaías relativas à vinda do Messias. Um personagem, chamado o Mestre de Justiça, conhecido apenas através da literatura apocalíptica, ocupava um lugar importante no seu espírito. Parece que seguiram este Mestre de Justiça na rejeição da ordem religiosa estabelecida em Jerusalém. No segundo século antes da nossa era, refugiaram-se no deserto da Judeia, perto do Mar Morto. Esperavam que o Messias se manifestasse primeiro nesse lugar, para aí vier num isolamento monástico.
Os textos que descrevem as suas crenças religiosas específicas são interessantes, mas foram, sobretudo, as centenas de manuscritos, cópias de livros bíblicos que datam do primeiro e do segundo século antes de Cristo, que atraíram a atenção. Encontraram-se cópias completas, parciais ou fragmentárias de todos os livros do Antigo Testamento, com excepção do livro de Ester. Antes desta descoberta, os cientistas duvidavam seriamente da fiabilidade da transmissão dos textos bíblicos, já que estavam convencidos de que séculos de cópias sucessivas tinham alterado gravemente o texto. Os erros cometidos por uns copistas seriam repetidos por outros copistas, e pensava-se que, deste acumular de erros, o texto bíblico resultante sairia gravemente alterado quando comparado com os manuscritos originais.
É interessante assinalar que os manuscritos antigos encontrados em Qunran, e apenas alguns séculos mais recentes do que os originais, apresentam muito ouças diferenças em relação aos textos que utilizamos hoje. Isso demonstra que o texto bíblico não sofreu praticamente nenhuma deformação. Podemos, portanto, ter confiança na sua integridade. O texto actual é um reflexo fiel do que os autores inspirados por Deus quiseram transmitir.
OS ESSÉNIOS E OS CRISTIANISMO.
Os essénios de Qumran praticavam um ritual de purificação muito interessante. Ao descer uma escada, entrava-se num tanque. Depois de ter sido mergulhado na água, o homem subia do outro lado purificado. Ninguém podia tocar no ´lado puro´da escada sem se ter purificado primeiro. Este ritual recorda o ritual do baptismo. Será que havia uma relação entre este ritual e o baptismo por imersão praticados por João Baptista? Muitos pensam que sim, e salientam que João baptizava no Jordão, não longe de Qunran. Sabemos hoje que um ritual semelhante também era praticado no judaísmo oficial, embora mais raramente. Tanques de purificação semelhantes, datando do primeiro século da nossa era, foram encontrados em Jerusalém e noutros lugares da Judeia, especialmente em Masada.
Embora haja numerosos pontos comuns entre o essenismo e o cristianismo, não podemos, no entanto, ignorar certas diferenças importantes. O cristianismo nasceu no seio do judaísmo, tal como a seita dos essénios. Mas isso não basta para que os consideremos um só e mesmo grupo religioso.

15/09/2010

CONSTRUÇÕES DE HERODES

TIBÉRIO
PILATOS
O projecto mais prestigioso que Herodes empreendeu foi a construção de um novo porto marítimo perto de Cesaréia (assim chamada em homenagem a Júlio César). Foi uma das maiores cidades construídas até então, sob o reinado de um só rei. Havia muito tempo que este lugar era conhecido pelo seu imponente teatro, que proporcionava uma vista para o mar e pelo seu notável aqueduto. Mas só quando se realizaram as escavações mais recentes é que se começou a trazer à luz do dia a vasta cidade herodiana. A cidade tinha sido construída ao redor do porto. Mergulhadores arqueólogos provaram que se tratava do porto mais importante do império romano nessa época. A entrada era guardada por enormes estátuas e nele podiam atracar mais de cem navios. Tendo em conta o facto de que a costa da Palestina, a sul de Haifa, não tem portos naturais, a construção do porto artificial de Cesaréia foi uma verdadeira proeza.
Uma longa fila de armazéns, protegidos por cúpulas, ladeava o porto. Um deles albergava um lugar sagrado e secreto dedicado à deusa Mitra. O culto de Mitra, divindade de origem persa, era muito popular entre os soldados romanos. Os rituais persas foram adoptados pelos romanos e espalharam-se pelo mundo inteiro. O Metreum encontrado em Cesaréia é o único descoberto na Palestina.
Canalizações subterrâneas tiravam partido das marés do Mediterrâneo para evacuar os detritos. Uma rua larga, ladeada por colunas, atravessava a cidade. Calculou-se que esta rua, por si só, continha milhares de colunas. Junto à cidade, encontrava-se o hipódromo, onde se desenrolavam as corridas de carros e de cavalos, como na maioria das cidades romanas.
Pouco depois da morte de Herodes, Cesaréia tornou-se a sede do governo da Siro-Palestina. Depois de ser preso, Paulo foi conduzido a Cesaréia, para um interrogatório feito pelo governador Festo. Foi, também, desta cidade que ele partiu para Roma.
1. O drama de Masada.
Muitas das construções edificadas em Jerusalém eram de utilidade pública. Mas o monarca também mandou construir edifícios para seu prazer pessoal. Foi para isso que mandou edificar quatro palácios em lugares diferentes. O mais célebre é, provavelmente, o que foi construído sobre o rochedo inexpugnável de MASADA. Arqueólogos israelitas fizeram aí escavações intensas. Este lugar é visitado diariamente por centenas de turistas. Por causa da sua ambição e da sua amizade com Marco António, Herodes teve de enfrentar a inveja de Cleópatra, a célebre rainha do Egipto que conseguiu influenciar vários imperadores romanos. Herodes mandou construir Masada sobre um promontório rochoso de 300 m de altura, perto do mar Morto. Penava servir-se desse lugar como refúgio contra um eventual ataque mandatado por Cleópatra. O palácio foi decorado num estilo que lembrava o de Pompeia. As termas eram abastecidas de água quente e fria proveniente de enormes tanques talhados na rocha e que podiam recolher a água das raras chuvas de Inverno. Herodes nunca utilizou este palácio como refúgio. Mas foi o refúgio dos combatentes nacionalistas judeus, depois da queda de Jerusalém, no ano 70 da nossa era. O seu suicídio colectivo, no ano 73, pouco antes de o exército romano destruir as muralhas, foi relatado por Flávio Josefo e é confirmado pela arqueologia. Ficamos impressionados, tanto perante a coragem e a tenacidade dos sitiados como com a crueldade com que os romanos sufocaram a revolta.
2. O Heródito.
No cimo de uma colina chamada Heródio, Herodes mandou construir um palácio com termas, quartos de visitas, uma sala de recepções, um grande pátio interior e muitas outras divisões mais modestas. Foi aí que ele quis ser enterrado.
A colina, elevada artificialmente, é visível de Jerusalém, quando se olha para Sul. O palácio foi construído de maneira a ficar rodeado de colinas que serviam literalmente de muralhas.
3. Jericó e Maqueronte.
Os invernos em Jerusalém podem ser frios. Mas em Jericó, situada no vale do Jordão, a temperatura é quase tropical, devido à sua situação próxima no nível do mar. foi aí que Herodes mandou construir o seu palácio de Inverno, incluindo um grande complexo balnear, que utilizava a água de um oásis próximo. Uma equipa americana revelou o palácio e descobriu grandes piscinas. Josefo escreve que Herodes sofria de diversas doenças crónicas. Era frequentemente obrigado a sair de Jerusalém e ir a Jericó, onde podia aliviar as suas dores com banhos terapêuticos. Consta que morreu em grande sofrimento.
Um outro palácio, chamado Maqueronte, foi construído nas montanhas a Leste do Mar Morto. Este lugar apresenta muitas semelhanças com o Heródio. Foi neste lugar que João Baptista foi decapitado, a pedido de Salomé, enteada de Herodes.
Foi, em grande parte, graças às realizações de Herodes o Grande que a paisagem arquitectónica da Judeia evoluiu e melhorou. Jerusalém e Cesaréia eram os dois centros importantes. No entanto, no tempo de Jesus, o país já não era governado por um rei loca., as directamente por Roma. Herodes foi o último grande monarca. Os seus filhos governaram, cada um, um território próprio, mas nunca o seu poder igualou o do seu pai.

09/09/2010

A GALILEIA

Cafarnaum, pode ver-se nesta vista aérea a antiga aldeia e
os vestígios das construções.
A Galileia foi um centro judaico importante no tempo de Jesus, ma não tirou partido das actividades de construção durante o reinado de Herodes. Separada da Judeia pela Samaria, era mais pobre e menos desenvolvida. Nazaré, onde Jesus passou a Sua infância, era uma aldeia pobre. Muito poucas coisas datadas da época romana resistiram ao tempo. Os eventuais vestígios da época ficaram inacessíveis, devido à construção de novos edifícios. Sabemos, por isso muito pouco sobre a aldeia onde Jesus passou a Sua juventude.
A cidade romana mais importante da Galileia era Tiberíades. Estava situada na margem ocidental do lago da Galileia. Escavações revelaram que, com efeito, a cidade era um centro importante, que incluía um certo número de grandes edifícios e uma porta monumental.
Uma grande parte do ministério de Jesus desenrolou-se na margem norte do lago da Galileia, perto de Cafarnaum. Como o próprio nome indica (Kafar = aldeia), Cafarnaum não era mais do que uma aldeia. As casas eram construídas com pedras de basalto escuro. Uma vez que só os ricos podiam dar-se ao luxo de pintar essas pedras de branco, a aldeia devia ter um aspecto bastante sombrio. A impressão de pobreza sugerida pelos evangelhos é confirmada pela arqueologia. Conseguimos imaginar facilmente que os habitantes estivessem abertos à mensagem de esperança de Jesus e que numerosos doentes esperassem a cura.
Sinagoga frequentada por Jesus e onde pregava.
O lago da Galileia está rodeado de montanhas por todos os lados. O lago de água límpidas reflectia o céu azul e alegrava os visitantes. Mas, por causa das colinas que o rodeavam, as tempestades invernais podiam abater-se sobre ele com uma rapidez e uma força inesperadas. Os relatos bíblicos que contam as experiências de Jesus e dos Seus discípulos neste lago, suspendidos pela tempestade, tornam-se muito mais realistas e tangíveis. Hoje, graças às tecnologias modernas em matéria de meteorologia, os pescadores podem trabalhar em condições mais seguras.
Em Janeiro, 1986, Moshe e o seu irmão Yuval contemplavam o Mar de Galileia e notaram uma sombra estranha amoldada no chão do lago.
Barco de "Pedro". Cafarnaum era a aldeia de Pedro e
onde Jesus curou a sua sogra.
O Mar estava perigosamente baixo, devido a uma seca severa, e esta era a primeira vez que Moshe e Yuval – ambos, modernos pescadores diários – puderam ver o fundo do mar, tão claramente.
O que o Moshe e Yuval viram era a forma de um barco, cujo significado arqueológico só seria confirmado na década seguinte.
O governo israelita emitiu uma ordem especial para, "baixar o nível do Mar da Galileia para preservar o barco do primeiro século que foi achado no fundo do mar. Porém, em lugar de fazer assim, um dique foi construído para bombear água para fora da área; desse modo, a equipa de escavações trabalhou cuidadosamente para preservar a arte do primeiro século. Hoje, o barco pode ser visto num museu especialmente construído no Kibbutz Ginossar, no Mar de Galileia.

02/09/2010

A CRUCIFICAÇÃO

NO tema sobre os Assírios referimos que eles empalavam os seus prisioneiros de guerra. A crucificação, o facto de atar ou pregar uma vítima a um poste, pode muito bem ter-se desenvolvido a partir dessa prática. Os romanos aplicavam este suplício extremamente cruel principalmente aos rebeldes e aos escravos. Milhares de escravos que trabalhavam na Via Appia, em Itália, foram crucificados quando se revoltaram contra os capatazes. Na época de Jesus, a crucificação era um suplício capital frequentemente aplicado.
Em Jerusalém, as escavações permitiram encontrar o esqueleto de um homem crucificado. Podem ver-se os restos de um grande prego que atravessava os seus pés. Um exame minucioso do esqueleto demonstrou a crueldade da crucificação praticada pelos romanos. Em vez de utilizar dois pregos (um para cada pé) utilizavam apenas um, ao contrário do que se pode ver na maior parte das obras de arte. Depois de deitar a vítima sobre a cruz, os dois pés eram juntos na sua posição norma. Em seguida, eram inclinados a 90º e espetavam um prego que passava pelos dois tornozelos, o que era particularmente doloroso.
Seria menos cruel se pregassem os pulsos e deixassem os pés livres. O peso de uma vítima pregada apenas pelos pulsos, com os braços estendidos, teria tornado muito difícil a respiração. A cabeça pendida para a frente teria acelerado a asfixia da vítima no espaço de alguns minutos. Ao pregarem também os pés, garantia-se uma agonia muito dolorosa, que se prolongava, por vezes, durante horas. Os pregos que atravessavam os pés não só causavam uma dor intensa, mas prolongavam também o sofrimento. No entanto, por vezes a crueldade romana tinha limites. Se, passadas algumas horas, a vítima não tivesse ainda morrido, partiam-lhe as pernas. Uma vez perdido esse apoio, o condenado morria rapidamente por asfixia. Foi o que aconteceu aos dois ladrões crucificados de cada lado de Jesus (João 19:32). Mas, no caso de Jesus, os sofrimentos experimentados antes e durante a Sua crucificação contribuíram para uma morte mais rápida (João 19:33).